domingo, 27 de janeiro de 2008

Há sangue no algodão doce


Há uma porta de um buteco, placa de fechado, no meio do palco há uma poltrona velha. Cláudia sentada nela, olhando pra parede, catatonica. Entra. Elaine em cena olhando para para o teto, todos os lados.


Elaine: Deve ser aqui, deixa ver, apartamento 201. (Bate na porta)


Cláudia: Olá, quem é ? (Esfrega os olhos) É você Elaine? Não, não não...


Elaine: (Abraça Cláudia) Ah mana querida eu lutei anos até chegar aqui pra te rever. Mais de vinte anos... Ai, eu espero seja feliz tenha um aniversário bom agora. Ó teu presente. Eu gosto muito de “ti”.


Cláudia: (Abraça mais forte) Obrigada por ter vindo, não esperava ninguém nessa noite. O meu buteco fechou cedo hoje e todas meninas já se foram. E eu não tenho quase mais clientes. (Limpando a casa com uma flanela) Só me sobrou esse buteco, moveis velhos e essa poltrona que era do meu quarto, agora só mais uma poltrona velha assim como sua dona.

(Para de limpar a casa e olha a Elaine) Mana...


Elaine: (Largando a irmã) Eu não acredito que ainda depois de coroa está ainda nessa. (Irritadiça) Droga, me disseram que tinha largado isso. Sua, sua...

(cai com a mão no peito, surto de asma) Tu é uma piranha mesmo, como alguém pode te amar.


Cláudia: Mas... (Desmaia Elaine, Cláudia pega Elaine que acorda com a crise asmática, se arrastando vão até o carro.)

Me desculpa minha irmã, mas eu não tive escolha nessa vida. (Liga o carro e sai velocidade alta, olha pra Elaine) Tu tá bem mana? (Elaine balança a cabeça negativamente) Eu era muito nova, mas não tinha mais como morar contigo e o pai. (Fala com tom de choramingo) Tá, mas é esse meu presente de aniversário, pô?






Elaine: (Ainda tonta e em crise, abre os olhos) Va...


Cláudia: Eu sei eu sempre fui atirada, mas nunca escolheria essa profissão, me foi tirada a infância. Nem todos os pais deixam as crianças terem uma. Olha Cláudia eu te amo.


Elaine: (Tem uma melhora da crise e pula em cima de elaine e esbofeteando fala)Sua vadia, não queira empurrar a culpa do seu estado deplorável. Tu é uma aberração da natureza, tu é o lixo do mundo. Ama? (Tapa parcialmente os olhos de Elaine) Tá escutando, sua biscate!


Cláudia (Chorando e dirigindo com dificuldade e falando)

Aí não me bate, para, para, assim vamos ... ah cuidado!... ( Carro bate em um poste vermelho, invadindo uma propriedade)


(Cláudia e Elaine saem do carro, estão no meio de um cenário de propaganda. Com um calçadão com ladrilhos rosa e amarelo. As duas estão com ferimentos leves, ambas tontas. )



(Claudia pela janela do carro pega um algodão doce no banco de trás do carro)

Cláudia: Está vendo esse algodão doce, (Mostrando o algodão doce para a irmã) é como tu Elaine. Parece bem doce pra quem vê, mas está todo respingado de sangue. Teu sangue e meu. É uma dor. E ainda depois de tanto tempo na verdade se provar deve estar azedo. Sua alienada, sempre alienada, não vê a verdade em que vivíamos.


Elaine: (Gritando e urrando) É tudo mentira o que tu tá falando! Olha ao teu redor, olha isso. Aaaah! Deve ser a tua vida então. Um comercial. Uma vida de aparência. Tu é apenas um produto, uma mulher de plástico. Aaarg! Serve só pra ser usada. Puta! Feliz aniversário maninha, mulher objeto! Mais um produto. Mais um ano.


(Ivone aparece no meio das duas, triangulando com as duas e falando)


Ivone: (Aflita) Vocês duas são loucas? Quase me atropelam em plena madrugada e ainda invadiram uma propriedade privada. Ah, e ainda por cima precisam de cuidados médicos, foi uma batida forte na cabeça apesar de estarem de cinto, vocês podem ter algum complicação craniana...


Elaine: (Furiosa) Cala a boca tu também!


Cláudia: (Gritando pra Ivone) Fecha essa merda de boca, velha de merda!


Ivone: Assim vocês vão se matar. Pra que tanto ódio? Se vocês são irmãs, então devem se amar. Imagina se a mãe de vocês olhasse isso? Acalmem-se!

Eu vou ligar...


(Ivone ignorando as duas pega o telefone e faz ligação para ambulância. No fundo do palco de um lado para o outro, gesticulando, murmúrios. Elaine e Ivone continuam a bater boca no meio do set de filmagem.)


Claúdia: (Ironica) Não, melhor, tu não é esse algodão doce. Ele me lembra, a mim, aquele menininha, a minha infância que tinha tudo pra ser doce, e foi feito como esse doce aqui. Com gotas de sangue foi tirado toda a doçura.


Elaine: (Explode em fúria) Sua puta, ainda insiste em bater nessa tecla. (Começa a ter outro surto de asma, fala com dificuldade com raiva)

Tu foi a menor, deveria ter apanhado mais... eu sempre gostar de “ti”, te a... Argh!. Mas tu nunca deixou. Essa sujeira. (Olha pra cima) e agora essa luz.


(Chega a ambulância do hospital público, desce uma enfermeira no fim de carreira)


Joana: (Anteciosa, de prontidão) São vocês duas que precisam de cuidados?


Ivone: (Falando rapidamente) Sim senhora, são elas duas.


Cláudia: (Assustada) Atende ela primeiro, está com essas crises de asma, vão e vem. Estou preocupada. (Logo após Cláudia falar, desmaia Elaine)


(Pega em seu pulso)

Joana (Fala nervosa) Ela está sem pulso. Sem pulsação. Eu sinto muito.


Cláudia: (Em pavor) O que? Como assim? Salva ela senhora! Salvaaaaa...!



Joana: (Corta a fala de Cláudia) Não temos desfibrilador! O único que reclamamos a tempos, está estragado. Vou tentar procedimento antigo. (Faz as pulsações manuais no peito de Elaine, sem sucesso. Depois uma pequena pausa) Ela está morta.


Claúdia: (Olhando para Elaine nos seus braços) Elaine, fala comigo? Diz que sim! Diz que não é verdade, que pode se permitir!


(Cai a luz, e apenas um unico foco em Cláudia)


Claúdia: (Olhando para o horizonte) Espero que ao menos as futuras crianças desse país tenham infância, pois EU não tive. A falta de amor a matou.


(Cláudia cai aos prantos em cima de Elaine)


(Blackout)